PSICOLOGIA GESTÁLTICA DA UNIDADE - A Autoridade e o Sentido de Pertença gerado no ato do fazer-se um
A Autoridade e o Sentido de Pertença gerado no ato do ‘fazer-se um’
Somos para o outro somente à medida que este nos autoriza ser perante ele.
Quando falamos em autoridade, a primeira imagem que nos vem à mente é a de uma pessoa exercendo comando sobre outra pessoa, ou pior, impondo-se a ela. No entanto, a verdadeira autoridade, aquela que leva ao crescimento e amadurecimento sadio dos afetos e à emancipação do caráter não tem nada a ver com mandar e ser mandado. Tem a ver com respeito, admiração e sentido de pertença, de pertencimento, o que nos conduz a pensar a autoridade como uma conquista e não uma imposição.
A verdadeira autoridade, aquela que gera mutualidade e sentido de pertença, tem suas raízes no ‘fazer-se um’ com o outro, na capacidade de reconhecimento das diferenças e das necessidades do outro, o que abre as portas para que possamos exercer o ato de confirmação existencial deste ser como pessoa humana. Ao ser reconhecido em suas habilidades e potencialidades, em suas necessidades, em seu fazer cotidiano, a pessoa humana sente-se reconhecida em sua essência, em seu “Si Mesmo” tornando-se grata pelo próprio existir e projeta esta gratidão no ato de ser recíproco, reconhecendo também o outro. Tal reciprocidade, gerada pelo ato de reconhecer e ser reconhecido como pessoa gera um terceiro elemento na relação Eu-Outro: o sentido de pertencimento, que provém da mutualidade, do “nós” da relação.
O sentimento de pertença não provém da dependência tampouco da posse sobre o outro, mas da liberdade de existir, da autorização que damos ao existir do outro. Não podemos confundir dependência com pertencimento. Dependência é neurose, é confluência danosa, uma fusão doentia que provém de um sentimento de baixa autoestima, de falta de amor próprio, de posse sobre o outro ou do medo de ser abandonado. A dependência diminui o ser como pessoa, enfraquece-o e o aniquila perante o outro. É fruto do não amadurecimento dos afetos, da incerteza de poder contar com o outro, ou não; da indecisão sobre qual caminho seguir e do medo da solidão que nos leva a aceitar uma fusão, uma simbiose doentia com um outro, também doente. Dependência não é amor, é fruto de uma relação oculta e danosa de caça-e-caçador, de dominador-e-dominado, de submissão-e-tirania.
Pertencimento é escolha: “escolhemos pertencer! ” É graça, é deleite e saúde. O pertencimento provém de uma relação de reciprocidade, de reconhecimento da alteridade, das diferenças e necessidades do outro. Ele nos eleva, gratifica e nos faz crescer perante a relação. O Pertencimento é fruto da confirmação do existir do outro, naquilo que ele realmente é, e não naquilo que queremos que ele seja. Provém da mutualidade que surge do “ficar-por-livre-escolha”, do estar “com” o outro, estar “para” o outro e estar “em” íntima relação com o outro.
O ato de exercer autoridade sobre o outro, o direito de ordenar, de decidir, de atuar, de se fazer obedecer, deve passar, por primeiro, pelo ato de autorizar-o-existir-do-outro. A autoridade é sintoma, ocorre após o ato de permitir-se à relação, e está intimamente ligada ao ato de aceitar, de autorizar a existência do outro perante nós, exatamente como ele é. A autoridade é sintoma da alteridade – chave e princípio de todo verdadeiro encontro - surge do ato de aceitar, permitir e reconhecer a unicidade daquele outro que se coloca como único à nossa frente, que se apresenta a nós na expectativa de existir perante nós, para nós e conosco, possibilidade única de vir a existir-em-nós-e-dentro-de-nós.
Os frutos da autoridade autêntica e verdadeira são o respeito, a admiração e a reciprocidade que somente ocorrem nas relações de liberdade nas quais o medo não impera. Quando o medo se faz presente na relação o primeiro sentido a se perder é o de pertença. Sem autorizarmos a existência do outro que a nós se apresenta, que a nós se-faz-face, no aqui-e-agora do encontro, no momento presente, o sentido de pertencimento não flui, não emerge, torna-se inexistente e dá lugar ao autoritarismo: a autoridade por imposição.
O sentido de pertença nasce no ato do ‘fazer-se um’, da autorização que se dá ao outro para que este “se-faça-presença-perante-nós” e seja por nós incorporado para se fazer “presença-dentro-de-nós”. Exige aceitação, permissão e reconhecimento às diferenças, à alteridade que, na imediatez da presença gera reciprocidade, mutualidade, responsabilidade e comprometimento. Ao reconhecer a presença do outro no aqui-e-agora da experiência, confirmando-o na própria existência, autoriza-se ao próprio organismo que este Outro seja incorporado de forma a que, mutuamente, tornem-se pertencentes. É do ato de autorizar o existir do outro, em sua alteridade, em sua unidade e unicidade que surge a possibilidade de incorporarmos, em nós e dentro de nós, o diferente, aquele que nos significa e nos dá sentido como pessoa humana.
O exercício da autoridade que surge do ‘fazer-se-um’ gera no outro, sobre o qual o “Eu” atua, a verdadeira liberdade de existir, de ser-no-mundo-o-que-realmente-se-é, expandindo e organizando sua habilidade de contatar o Outro e o mundo. O exercício da verdadeira autoridade, do autorizar a existência do outro, gera o temor – que é a obediência pelo amor – a admiração, o respeito e a responsabilidade. Temor não é o medo que paralisa a existência, é o receio gerado pela consciência plena do direito de existir do Outro que nos reconhece, confirma e significa, que provém da graça do pertencimento. O temor nos eleva à obediência, não pelo pavor de ser repreendido, mas pelo desejo de não perder o amor daquele ao qual sentimos pertencer.
O medo que paralisa é o que nos impede o existir-para-o-outro, é o medo provocado pela imposição da autoridade, ou seja, pelo autoritarismo que nada mais é que o ato de degradação, de destituição da autoridade, de cominação do “Eu” sobre o outro e o mundo. Surge habitualmente do não reconhecimento do diferente, da não-confirmação do outro, diferente de nós.
Para a PGU, o medo se apresenta em duas dimensões distintas. A primeira corresponde ao medo habitual perante tudo que é novo ou diferente. Este é o medo que gera a insegurança frente ao não-saber, à falta de informação e conhecimento que toda novidade traz em si. Encontramos este medo em todas as fases do desenvolvimento humano. Salvo as devidas proporções, embora gere insegurança, é saudável devido ao fato de criar possibilidades de enfrentamento. A segunda dimensão é a do medo gerado nas relações de autoritarismo, de dominação e imposição. Este medo retrai as habilidades de contato de forma neurótica, bloqueando as possibilidades de enfrentamento e ajustamentos criativos funcionais.
O autoritarismo nasce no seio familiar e se propaga no meio social por meio da negação e não-confirmação da função paterna pela função materna quando esta, ao deixar de ser confirmadora, passa a ser confrontadora, gerando na linha afetiva do “entre-nós”, no campo relacional familiar, fortes ambivalências que, situando-se acima da capacidade de assimilação do self, geram situações de disputa de poder de um sobre o outro. A não aceitação do diferente gera dúvidas, incertezas e insegurança, o que provoca o enrijecimento das fronteiras de contato fazendo surgir as fixações – cristalizações e repetições que se convertem em bloqueios de contato.
O autoritarismo é sintoma de relações de dominação/submissão, imposição/cerceamento, caminhos amplos para a alienação e medo que, diferente do temor, gera a falsa obediência pela inútil tentativa de se livrar da dor e do sofrimento, o que aniquila toda e qualquer possibilidade de autoridade pelo sentido de pertencimento.
A ti pertencerei se jamais te fizeres meu dono!
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