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NIVALDO MOSSATO
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AS TRÊS DIMENSÕES DO OUTRO - o que há entre nós que ainda não sabemos?



AS TRÊS DIMENSÕES DO OUTRO

O que há entre nós que ainda não sabemos?


Passamos boa parte da nossa existência tentando definir quem somos, apegados à ideia de que somos quem somos independentes do outro e do mundo que nos cerca. Essa ideia egoísta, para não dizer egoísta, está pautada no conceito individualista – de exclusão do outro - e não de individuação – de tomar posse da própria existência . Na busca desenfreada pelo amor próprio, por conhecer a si mesmo, estamos nos esquecendo que o amor próprio não nasce da relação consigo mesmo, nasce da íntima relação com o Outro significativo que nos confirma como ser-existente diante dele. O individualismo nos leva ao processo de olhar somente em uma direção – para dentro de nós mesmos – retendo, em nós, a falsa consciência de que nos tornamos quem somos gratos, e unicamente, ao esforço pessoal. Este pensamento unilateral não nos coloca frente a frente com a realidade existencial. Pelo contrário, leva-nos a caminhar ' de-encontro-com-o-outro' , sendo que a nossa necessidade maior é de irmos ' ao-encontro-do-Outro'. Ao irmos ' de-encontro-com-o-outro' , colocar-nos numa posição de enfrentamento, de imposição que, na maioria das vezes, só gera conflito e exclusão. É uma posição de não-aceitação do diferente, de negação da alteridade do ser pessoa. Quando nos colocamos na posição de irmos ' ao-encontro-do-Outro' abrimo-nos às possibilidades de crescimento mútuo, da reciprocidade, do sentido de pertença, de unidade na diversidade. Caminhar ao encontro do Outro é considerar e aceitar o diferente para que possamos assimilá-lo e dar-lhe a permissão de, na liberdade de escolha, também nos assimilar.

Quando conversamos do Outro – com 'O' maiúsculo - referimo-nos a toda pessoa que em determinado momento nos fez face, apresentou-se a nós de forma a transcender a relação, a gerar um terceiro elemento, um 'nós existencial'. E o 'outro' – com 'o' minúsculo - é tudo aquilo ou aquele que está 'fora-de-nós' - coisas, animais, pessoas, natureza e universo - que, ao nos relacionarmos com ele buscamos simplesmente saciar nossa necessidade, sem considerarmos a necessidade dele. Tudo aquilo ou aquele que, de um jeito ou de outro, cruzou nosso caminho, consciente ou inconscientemente. Uma pessoa que se coloca à nossa frente pedindo uma informação, um animal com fome ou com a necessidade de brincar simplesmente, um objeto com o que me relaciona, coisas, pessoas, natureza. Tudo o que está fora de nós torna-se o outro, aquele ou aquilo que também constitui nossa subjetividade, porém, de forma objetal, egoica, sem transcendência. Somos, portanto, todos os Outros e outros que vieram antes de nós, e, todos aqueles que, neste momento, nos fazem face.

Quando nos colocamos na dimensão de descobrir o outro, de alcançá-lo com nossas ações, orações e pensamentos, o descobrimos em si mesmo, o vemos como pessoa humana em seus próprios limites e potencialidades . Alcançá-lo, entretanto, é tão somente o primeiro passo. devemos ainda, reconhecê-lo em sua plenitude, em sua totalidade, em suas fragilidades e potencialidades; e mais, convém aceitá-lo e respeitá-lo verdadeiramente, como ele realmente é. Reconhecer suas imperfeições e suas potencialidades nos leva a reconhecê-las também em nós. Ninguém é perfeito.

                          Perfeição é um estado a ser buscado, não exigido .

Só podemos exigir fazer outra coisa que foi estipulada em acordo comum, em unidade, e mesmo assim, para que possamos fazê-lo após os termos alcançados, em nós, o exigido. Alcançar o outro é aceitá-lo em suas limitações e, de posse delas, com a permissão do outro , ajudá-lo a superá-las e a transformá-las em potencialidades.  Este outro que a nós se apresenta, que nos faz face, quando por nós reconhecido e aceito, verdadeiramente, respeitado em sua alteridade e unicidade, surge-nos em três dimensões que nos leva à percepção, à consciência de 'sermos-quem-somos' como totalidades no mundo. Este outro, que está fora de nós, quando nos faz face, é-nos a única possibilidade de nos considerarmos como pessoa humana existente-transcendente, e, quando isso ocorre, este outro se torna, em nós, o 'Outro significativo' que, ao residir em nós, transformado pelo encontro pleno, se transforma em Outro – com 'O' maiúsculo . E é exatamente este Outro que, na atualidade, na sociedade do consumo, não confirmamos ao insistimos em dizer que ' esse corpo é meu, faço dele o que quiser ' sendo que ' esse corpo' nos foi dado pelos Outros – pai e mãe -  e que, nada, absolutamente nada feito para merecê-lo; Ao insistimos em nos vangloriar pelo que sabemos ou pelos pensamentos incríveis que nossa mente maravilhosa produz e nos esquecemos que nada, absolutamente nada do que pensamos ou criamos é puramente nosso. O que sabemos nos foi feito pelos que vieram antes de nós. O que pensamos, pensamos com a mente que nos foi dada, pautado nos conteúdos que recebemos da cultura, da linguagem e da sociedade à qual fazemos parte.

Quem somos? Somos todos os Outros e outros que internalizamos, assimilamos e incorporamos. E são estes Outros, somente eles, que podem nos significar perante nós mesmos. Jamais deveríamos nos esquecer da regra de ouro da existência: 'Eu sou o Outro do outro. Sou o Outro para aquele que a mim se faz face neste momento” . Este Outro que a nós se apresenta, que nos faz face ao ser aceito em sua alteridade, em sua diferença, que se faz presença em nós e para nós, mostra-se tridimensionalmente, em três dimensões onde impera a acessível o reconhecimento e a confirmação.

A primeira dimensão do Outro é aquela que encontramos no primeiro olhar sobre nós: o olhar da nossa mãe. Ela é aquela que nos deu a vida, é aquela que nos confirmou com o primeiro olhar. Ela é aquela que se firmou e se confirmou como nosso primeiro Outro. Esta é a dimensão da caminhada em direção àquela ser única que pode nos confirmar como pessoa humana. Aquele que nos vê de 'fora-para-dentro' , o primeiro a nos ter no olhar, mesmo antes de podermos nos ver. Antes de nascermos, de virmos ao mundo, este Outro materno já nos olhou, já nos tateava, já nos acariciava, dialogava conosco como ser existente. Já existiamos para ele, mesmo antes de existirmos no mundo e para o mundo. Este primeiro Outro que, ao nos conceder o primeiro olhar, nos fez existir para nós mesmos, gratuitamente, sem que ao menos tenhamos consciência disso.

Esta é a dimensão daquela que, antes de nós, se fez depositário de toda a humanidade ( ou humanidades? ) produzida e construída desde o primeiro homem. Aquele que trouxe e traz em si a poeira dos tempos, a filogenia e a ontogenia que nos fez ser reconhecidos como indivíduos da espécie humana e que, por doação, nos fez ser-perante-o-mundo mesmo antes de sermos-no-mundo , mesmo antes de sermos capazes dos primeiros ápices de consciência. Sem considerarmos esta Outra dimensão primeira que, antes de nós nesta se fez vida, é-nos impossível a consciência de si mesmo e que, por consequência, nos rouba, paradoxalmente, a consciência do ser-e-existir-do-outroApós o nascimento, esse nosso primeiro Outro confirma em nós novamente, através do olhar, a dimensão de nós mesmos. A via de mão dupla se forma quando o bebê olha para a mãe e dela recebe, no olhar, a confirmação: ' tu és o meu filho' . O bebê, agora confirmado, sorri-lhe com os olhos e, na reciprocidade, também a confirma: ' minha mãe' . É-nos, na dimensão de sermos reconhecidos como existentes que nos sentimos, pela primeira vez, um Outro para o Outro. 

 A segunda dimensão do Outro é a dimensão polar, a dimensão do espelho. É aquilo que, quando olhamos e identificamos aquele Outro, diferente de nós, que está 'fora-de-nós' , nos dá a possibilidade de percebermos que ali tem alguém, que ali tem algo que se difere de nós, um mundo, um universo que nos circunda. Esta é uma dimensão que nos leva a nos defrontarmos conosco, com nossas crenças, conceitos e preconceitos. Aquele Outro que está fora de nós, é diferente de nós. Temos agora a possibilidade de nos olharmos com maior integridade, temos o polo que se mostra na diferença, na alteridade, e nos proporciona a possibilidade de consciência do diferente que nos deixa ver aquele que está fora é um, e aquele que está dentro é outro. Ao reconhecê-lo diferente, nos reconhecemos na nossa diferença, na nossa própria individualidade, na nossa unicidade. A consciência daquilo que é alto só faz possível ao considerarmos o que é baixo. Reconhecemos o escuro, quando conscientes do que é claro. A consciência do frio faz na percepção do que é quente. O polar, o diferente, o estrangeiro, o Outro, todos os outros, são instrumentos para a consciência do ' si-mesmo' . Sem a presença do Outro, diferente de nós, jamais teremos a verdadeira consciência da pessoa que nos tornamos no aqui-e-agora do nosso existir, do nosso ser-no-mundo .

A terceira dimensão do Outro é a transcendência, e, transcender, é ir além, é sair de nós mesmos para podermos, na liberdade de escolha, caminharmos em direção ao Outro. Para transcendermos a nós mesmos, precisamos que algo ' fora-de-nós' nos dimensione e nos dê a dimensão do que seja o ' diferente-de-nós' . A transcendência só ocorre no encontro verdadeiro, conosco e com o Outro. Esta é a dimensão da caminhada ao encontro do Divino, do Criador, d'Aquele que, ao residir em sua criação, se faz também criatura e se manifesta cotidianamente no encontro verdadeiro entre um e outro. Onde dois ou mais se encontra, verdadeiramente, Ele surge e transcende a realidade existente.  Não é entre cada relação de profundidade que o divino se manifesta, que ele se faz presente, que se faz presença. É no encontro de duas somas que acontece a transcendência para um novo elemento que surge entre as partes que se encontram, que se revelam um para o outro.

Ninguém alcança o Criador sem passar, por primeiro, pela criatura. A transcendência é um caminho impossível para aquele que não reconhece uma criatura. O divino do Criador faz morada na criatura, e se faz presente quando nós fazemos presente para sua criação. A transcendência exige que o Outro seja presença em nós, e que nós façamos presença no Outro.

Esta é a dimensão da transcendência do ser imanente que ocorre através das limitações e restrições mútuas que gera reciprocidade e respeito pelo ser-e-existir-do-outro no encontro pleno e verdadeiro de duas totalidades, de dois inteiros que se permitem morrer, conscientemente, um-pelo-outro . É também a dimensão do 'Nós', do verdadeiro nós que só surge nos limites entre ' um-e-outro ' onde o encontro verdadeiro acontece.

Quando não reconhecemos algumas das dimensões do outro, da sua alteridade e unicidade, podemos nos perceber tentando mudá-lo em algum aspecto de sua personalidade, algum comportamento, trejeito, atitude, forma de se vestir, de comer, um hábito, regra ou crença qualquer. O que não percebemos é que, aquilo que nos incomoda no outro, na realidade, é algo que ainda não está bem resolvido em nós mesmos. Portanto, para alcançarmos a experiência do outro e penetrarmos, devemos alcançar primeiro o outro como pessoa humana, distinguindo-o de nós mesmos, separando o que é nosso do que é dele. Só depois de alcançarmos em nossa própria dimensão é que conseguiremos, paradoxalmente, dimensionar o outro naquilo que ele está na relação conosco. Cada qual traz suas próprias necessidades, seus próprios desafios, seus próprios limites e potencialidades. Sem essa distinção, essa separação, essa individuação Eu-Outro, não penetramos sua experiência ; o invadimos, o sufocamos, o aniquilamos com nossa presença impostora. 

Antes de alcançarmos e penetrarmos a experiência do outro, faz-se necessário alcançarmos a própria experiência, a consciência emocionada do mesmo. Somente desta forma, conscientes de si mesmos, livres de si mesmos, podemos ser livres para compreendê-lo e respeitá-lo na sua própria dimensão, no seu inigualável jeito-de-ser-no-mundo ; no seu como , na sua forma de agir e interagir no meio e com o meio. Penetrar a experiência do outro não é muda e nem tão pouco vai experimentar nosso modo de viver. Não é dar-lhe um instrumento e nem ensiná-lo a usá-lo. É ir com ele, fazer com ele, experimentar com ele, do jeito dele, no tempo dele, valorizando-o e respeitando-o em seu como-ser . É, na verdade, tenha-se na tentativa de se colocar no seu lugar de forma para alcançar-lhe a unicidade – aquilo que ele é único - e confirmá-lo como pessoa humana, na sua própria experiência. É reconhecê-lo e aceitá-lo como diferente para que possamos melhorar na própria vontade, deixando-de-ser-para-que-ele-seja, forma única de constituir uma unidade entre os diferentes onde podemos permitir existir-no-Outro-e-para-o-Outro e permitir que o Outro-exista-em-nós-e-para-nós .


Nivaldo Mossato

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