Companheiros de Viagem
Há um ditado africano que gosto muito, porque reflete uma realidade humana extremamente verdadeira. Retrata o seguinte: "Se você quiser ir rápido, vá sozinho. Porém, se quiser ir longe, vá em grupo (acompanhado)" Os caminhos que trilhamos sozinhos nos trazem experiência, desenvolvem nossas habilidades e podem até nos colocar em destaque entre os demais, colocando-nos no topo do pódio da sociedade. No entanto, a velocidade com que caminhamos, e principalmente os atalhos que tomamos, nos impedem de saborear o caminho, de construí-lo melhor dentro de nós; o que favorece o surgimento dos vazios que carregamos, e, vazios sempre são 'ausências' de outros significativos que deixamos pelo caminho. Quem caminha sozinho construiu ego; quem caminha acompanhado constrói humanidades!
Os caminhos que trilhamos em comunhão nos fazem fortes, nos humaniza e nos fazem pessoa. Os caminhos que percorremos juntos fazem da história do outro, nossa história, enquanto fazemos dos caminhos, um só caminho. Ao construir-lo passo a passo, ele nos constrói e permite, quando respeitamos a individualidade e a unicidade de cada um, construirmo-nos mutuamente: eu no outro, e o outro em mim. Vamos nos moldando, e ao fazermo-nos um com o outro vamos sendo, nos descobrindo como pessoa, lapidando as arestas, nos conhecendo...e reconhecendo!
No entanto, a estrada que a vida nos oferece nem sempre nos possibilita chegar sem danos; mas quando caminhamos em unidade as feridas podem se tornar possibilidades. Quantas vezes desfrutamos em comunhão as alegrias que a estrada comunitária nos proporciona, e, às vezes, cegos por afetos doentios beiramos o precipício, e caímos! E quantas vezes caímos. E cairemos! Todavia, se realmente caminhamos juntos, tal qual a fênix que ressurge das cinzas, podemos recomeçar... e recomeçamos...e recomeçaremos! Este é um dos pontos fortes que construímos quando decidimos caminhar um caminho solidário: a capacidade de recomeçar. Basta-nos uma mão estendida.
Costumo dizer que uma boa história é escrita nas estrelas. Entretanto, sei que são nossas escolhas que definem seu enredo e que há um 'fio de ouro' que nos conduz ao 'como' da experiência que decidimos fazer juntos e que nos permite, mesmo em nossas limitações e diferenças, olhar para uma mesma direção, ainda que por formas diferentes de ver; e esse é outro segredo da caminhada compartilhada: deixar o outro olhar, ver e enxergar! Permitir que o outro seja!
Sabemos que nem sempre é possível aceitar o outro tal qual ele é, e até mesmo aceitar-nos como somos. Essa é uma verdade inerente ao humano. Por isso, a escolha se faz necessária todos os dias; requer decisão, ação e persistência, um esforço quase que sobrenatural para aceitar a nós mesmos e ao outro, mesmo quando nos doamos ao extremo do ser. E quantas vezes fazemos o outro chorar e sofrer por isso! E quantas vezes sofremos por fazer sofrer! Mas companheiros de viagem são assim mesmo: às vezes nos dizem verdades que preferíamos não ouvir, mas que são necessárias para que permaneçamos no caminho. E permanecemos! Esperança e persistência são outros aspectos que desenvolvemos na vida em comum.
Entretanto, a história de quem decide caminhar em conjunto não é feita somente a dois, ela é comunitária, mesmo que não percebamos. Há tantas pessoas envolvidas que não seria possível descrevê-las. Há pessoas que chegam. Há pessoas que partem. Há pessoas que ficam. Mas todos nos marcam! Dos entes queridos aos mais distantes. Do nobre amigo àquele que simplesmente passou. Dos filhos que fomos como bagagem dos nossos pais, às pessoas que hoje são nossas bagagens; dos que se tornaram pesos, aos que somos imensamente gratos. Essa é outra característica dessa Santa Viagem: não devemos apagar as marcas do caminho. As pegadas no chão frio ou na areia quente fazem sentido tanto quanto as freadas no asfalto: elas nos moldam, nos ensinam a olhar, ver e enxergar. E seguimos aprendendo...e aprendendo! Mesmo quando não desejamos...aprendemos!
Não apagar as marcas do caminho não significa guardá-las na lembrança ou remoê-las em mágoas. É preciso ressignificá-las. Dar a elas o sentido do momento presente e deixar que, na liberdade, se tornem parte do caminho já percorrido. Passado só se torna passado quando o deixamos livre, sem apego, para que, ao seu tempo, tome seu devido lugar no espaço da nossa existência. Respeitar o passado e o tempo do outro é valorizar sua história e confirmar sua essência. Só assim podemos aprender cada lição que a vida nos dá sem termos fantasmas girando em torno do nosso momento presente. Este é outro ponto forte do verdadeiro encontro: deixar livre, confiar no que foi construído, acreditar que acima do 'Eu' e do 'outro' existe um 'Nós' que nos define como pessoa humana.
E quantos 'nós' foram desatados em nós quando saímos da zona de conforto do caminhar sozinhos e decidimos, livremente, compartilhar o caminho com aqueles que permitimos ser o que são, tal qual nos permitiram ser o que somos.
A liberdade de ser nos faz querer voltar para casa todos os dias. Ah! Como é bom ter para onde voltar! Ah! Como é bom saber que há alguém a nossa espera! Sejamos gratos por isso.
E o sentido de gratidão é outro aspecto desenvolvido no encontro pleno.
Talvez seja reticente dizer o quanto expressar o amor é importante, e, muito além das palavras, o quão importante é o esforço coletivo e diário para que dizer não seja preciso . Sei que talvez o outro esteja cansado de ouvir. Mas sabemos que algo mágico acontece quando, de um nada, surgem conversas que duram horas a fio. E, para dizer a verdade, não precisamos de motivos, desculpas ou graças especiais. O diálogo é um dom que nasce e se desenvolve quando nos permitimos sair de nós mesmos na tentativa de alcançar o outro, pelo outro, no outro e para o outro. Precisamos apenas nos desprender de nós mesmos, das crenças que limitam nossa mente, dizendo a nós mesmos que podemos tudo. Nada podemos sem que haja um outro que nos faça face.Nenhuma necessidade humana se satisfaz em si mesmo, em nenhuma dimensão da existência humana. Somos seres relacionais, portanto, coletivos. Nada do que temos ou somos foi fornecido por nós mesmos. Em tudo, repito, tudo, há a presença do outro. Nada há em nós ou para nós, que tenha sido aprovisionado por nós mesmos. Tudo, exatamente tudo que temos ou somos nos foi dado. Creio ser este outro ponto forte de quem decide estar em relação: fazer-se presente à fala do outro. Fazer-se ouvir e penetrar na experiência daquela pessoa que caminha ao nosso lado, interessando-se intencionalmente por ela. Estar ali faz toda diferença. Precisamos escolher estar ali. Precisamos querer, decidir estar ali. Afinal, longe é onde não queremos estar, mesmo que estejamos perto. Por fim, esta é a nossa viagem. A Santa Viagem que, mesmo quando decidimos faze-la sozinhos, creia, levamos o outro, e tantos outros, dentro de nós.
Precisamos acreditar que o caminho só se faz caminhando, e que, somos todos os outros que nos fizeram e nos fazem ser quem somos.
Ninguém é sozinho!
Transforme sua forma de ver a vida — aprofunde-se na Psicologia Gestáltica da Unidade.
O livro já está disponível! Clique abaixo e garanta o seu exemplar:

Comentários
Postar um comentário